"Sabe o que é? Nunca procurei respostas. As perguntas, elas sim, me incomodam: ressoam, reverberam, ricocheteiam. É tipo um masoquismo da dúvida."

domingo, 10 de janeiro de 2010

Quase lá

Esperava meio atônito, aquele olhar esfumaçado, opaco, em direção a qualquer ponto atrás da parede branca, corrompida pelas infiltrações de janeiro encharcado. Nunca tinha esperado algo com tanta paciência. Paciência que lhe conduzia a esse estado semi-catártico, dopado pelos ruídos inquietos e aromas sedutores da empatia metropolitana.
Olhou para o relógio. O ponteiro vermelho se movia em um movimento tenso e desacelerado, antes de atingir a marca seguinte dos segundos, se conduzia num ritmo enrijecido, até despencar até um daqueles tracinhos com uma violência fatal. Cada segundo parecia uma bomba. O tique-taque, apesar de inaudível, anunciava um holocausto.
Exames, avaliações, julgamentos, considerações, comissões, juntas, conselhos. Um bando de crenças, invenções sedutoras de sonhos e fracassos. Sua paciência estava agrilhoada às expectativas em torno de um pequeno grupo de...pessoas. Arrogadas em sua autoridade, não passavam de imbecis, feito ele mesmo. Quando receberia o veredicto? Quando sairia daquele estado de tensão, que lhe corroía as paredes intestinais, diminuía-lhe as pupilas, produzia uma vastidão de frios e calafrios naquele mesmo estômago? Olhava para os carros, lá embaixo, pequeninos, em seu fluxo abobalhado, e aquele vento que bambeava venezianas, a produzir sons um tanto medonhos. Olhou para a cartela de prozac em cima da cômoda. Olhou para o filtro de água, demovido da cozinha para a sala, no intuito de acertar as contas periódicas de uma sede sufocante que sentía.
Parou seu olhar no filtro. O enorme jarro de plástico, garrafão de água mineral, opaco. Bebia aquela água que parecia meio suja. Subitamente, meio que à espreita de sua distração catatônica, pequena bolha emergiu do fundo. E, seguindo a ela, um peixinho dourado.
Decidiu pegar as chaves, o maço de cigarros, descer as escadas, e dar uma volta no parque.

2 comentários:

  1. Deveria pois ter tomado um café, acendido um cigarro. Assim, mergulhando num vício, perdia-se do vício anterior, a espera. A ansiedade, imortal, permanece, mas nem sempre à flor da pele. Um café, sim, um café teria lhe feito bem.

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  2. 19º andar inspirador esse hein. o cenário parece até serviço público.

    to gostando de ver o ritmo dos posts e meu nome escrito certinho então. muito bom!

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