"Sabe o que é? Nunca procurei respostas. As perguntas, elas sim, me incomodam: ressoam, reverberam, ricocheteiam. É tipo um masoquismo da dúvida."

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Feitiçaria!

Um tema curioso, e que pouca gente conhece a fundo ou estuda aqui no Brasil: perseguição às bruxas. Afinal, por que ocorreu? Generalizações e anacronismos são recorrentes nos diálogos e mesmo nas formas de representar esse fenômeno histórico, tão comumente retratado mesmo pela grande mídia, em filmes, em programas de TV ou revistas.

Ontem assisti ao filme "O Código da Vinci" (uma trama interessante, desmerecida por uma produção insossa e atuações fraquejantes) no qual, em uma de suas partes, o historiador Leigh, vivido pelo ator Ian McKellen, revela o segredo da trama, afirmando que o legado de Jesus para a continuidade do cristianismo teria sido sua filha, com Maria Madalena, o que teria dado origem à perseguição religiosa às mulheres anos depois, pelo Santo Ofício e por grupos conservadores contrários à revelação desse segredo e da tomada de poder por seus seguidores.

Portanto, o filme exibe a perseguição às mulheres num exagero estatístico, no momento em que Leigh esbraveja a probabilidade de milhões de mulheres terem sido perseguidas e queimadas, graças a uma perseguição fratricida entre segmentos da Igreja Católica.

Faremos aqui uma descontrução dos mitos da perseguição às bruxas, conforme estudamos no verão de 2009, na disciplina Magie, Zauberei und Hexenverfolgung aus kulturgeschichtlicher Perspektive (Magia, feitiçaria e perseguição ás bruxas sob perspectiva da história cultural), lecionada pela Prof. Rita Voltmer, Ph.D., na Universität des Saarlandes, e exibido em seu livro Hexen - wissen was stimmt (Freiburg im Breisgau: Herder, 2008).

Portanto:



1. Durante as perseguições às bruxas 9.000.000 de mulheres foram executadas. A autoria deste cálculo tão elevado se deve a Gottfried Christian Voigt, Conselheiro da cidade de Quedlinburg, que teria partido de um número de 30 processos abertos no século XVI, com acusações de bruxaria, e projetado que, entre os séculos VII e XVII, os nove milhões de mulheres tivessem sido executadas na Europa. Os dados da perseguição foram manipulados por diferentes segmentos, anos mais tarde, como feministas e grupos minoritários, que insistiam em comparar a perseguição às bruxas a um verdadeiro holocausto contra "minorias". O exagero dos números chegou à conta de 20 milhões de mulheres. O número estimado pela literatura atual é entre 50 e 60 mil mulheres perseguidas durante a Idade Moderna, especialmente nos territórios protestantes.


2. As perseguições às bruxas ocorreram nos "obscuros" anos da Idade Média. Os registros históricos revelam que o grosso das perseguições às bruxas ocorreram na Idade Moderna, entre os anos de 1580 e 1650. Tendo se iniciado nos territórios próximos ao lago Genfer (Sabóia, Piemonte, Wallis, Berna), mais ou menos em torno de 1430, o crime de bruxaria foi identificado por teólogos e encontrou apoio em uma estrutura de justiça eclesiástica e temporal, num período de crise moral e econômica na Europa. Portanto, a maior parte das perseguições se concentra na modernidade.


3. O Tribunal da Inquisição foi o maior responsável pelas perseguições e execuções às bruxas. Este talvez o maior mito. Os registros dos processos comandados pela Inquisição, nos locais de sua maior atuação (Espanha, Portugal e Itália), revelam escassíssimas execuções, pelo crime de bruxaria, de mulheres. O crime de heresia, que poderia estar associado a diversas outras práticas, (que não a associação entre pacto com o diabo, o voo, a prática de magia negra, o coito com o demônio) esse sim, tomou largas proporções nas incriminações do Santo Ofício. Sabido é que os locais de religião protestante foram grandes responsáveis pela perseguição às bruxas, num contexto de crises e cismas religiosos(espaços marcados por conflitos religiosos, sobretudo). Lembram-se das bruxas de Salém (contexto protestante)? A justiça punitiva e persecutória estava associada tanto a uma justiça secular quanto religiosa, mas a maior parte das condenãções ocorreu orquestrada por tribunais seculares.


4. Apenas mulheres eram condenadas ao crime de bruxaria. Grande mentira. A maior parte foi sim de mulheres condenadas, pois a própria natureza do crime de bruxaria (ao qual se associavam o trabalho de parteiras e curandeiras, tidas, à época, como bruxas) e alguns aspectos biológicos encarados, à época, como elementos da associação ao demônio (instabilidade de temperamento, etc). Os registros nos revelam, entretanto, que cerca de 25 a 30 porcento das vítimas da caça às bruxas eram compostos de homens.

E, interessante ressaltar, a grande obra Malleus Maleficarum, de Kraemer e Sprenger, que define o que seria o crime de bruxaria, foi abolido pelo Index Librorum Proibitorum e condenado pela Igreja Católica, que jamais usou tais definições e condenou um de seus autores, pela própria Inquisição, por heresia.

3 comentários:

  1. Estou boba com o nivel cultural aqui da coisa. é acho que eu morrreria se vivesse na Idade Média.

    ResponderExcluir
  2. Carla Anastasia.
    Não, ela não é bruxa. Mas ministrava boas disciplinas nessa área. Acredito que agora apenas para futuros mestres ou doutores.
    Fiz "Culturas Políticas Plebéias". Mas ela faltava muito, infelizmente.
    Já leu Robert Darnton?

    ResponderExcluir