Fazia calor. Meu pescoço, minha nuca, até minhas pestanas suavam, mesmo sem ter ideia do que fosse uma pestana. Em duas horas de conversa, claudicava meus dedos em batidas inaudíveis, no pano verde de veludo, meio desbotado nas beiradas, do sofá. Enquanto isso, Elias reclamava sobre as palhaçadas do sindicato, e dos dirigentes que lá estavam a afirmar sua predisposição política, sua vocação enérgica, bradando discursos anacrônicos e na maioria das vezes fadados ao insucesso, por nunca terem alcançado as verdadeiras causas sindicais. Meus dedos no sofá, repetindo movimentos abafados pelos murros que Elias dava na mesa central da sala, pareciam uma sonatinha nervosa, como de teclas repetidas, se pudesse ser ouvida. Era a mesma impressão que tinha daquilo tudo: ninguém os ouve, enquanto batem na mesma tecla.
Maíra, enquanto isso, arregaçava as mangas de sua blusa de tricô que, não fosse aquela peça preta por debaixo, deixaria mentes curiosas trabalharem ainda mais na trama de tantos buracos. Era magricela, mas tinha um par de seios rijos, apontados para os lados em sua postura mais ou menos ortodoxa. Suas sobrancelhas grossas entonavam uma sinfonia clara de satisfação com aquilo tudo, mas seu olhar, lânguido e perdido acima de algumas rugas, minimizava qualquer esperança de que fosse intervir no meio da conversa. Tinha uma expressão que remetia a lembranças vagas de almoços de domingo, em que preferia se meter em vestidos curtos e sair por aí, abandonando aquela patifaria constante de conversinhas de família, probleminhas cotidianos, cebolinhas e receitinhas. Aquilo não gerava desconforto, mas ódio tamanho que fazia as tias afastarem suas filhas de conversas com Maíra, e olhares cobiçosos de cunhados e primos. Desde que seu pai morrera, e sua mãe tinha se abestalhado depois de um derrame, preferiu encarar sua existência nesses termos. E não esperava grandes amores, apenas descobertas.
Foi quando achou Laércio. E tramelhou-se na confusa trama de bancários solapados por convulsões constantes, e atitudes subservientes. Sua taça de martini dizia mais, espirituoso a balancear, rodopiando suas versões de historicidade, aquilo que lhe punha tão humana, e tão distante.
Acendi um cigarro, e apaguei as versões presentes sobre estalos, fundos de pensão, contribuições sindicais, baboseira. Permanecemos eu e ela, resgatando nossos corpos, fumaças bailantes e trilhas comuns, numa espécie de pingue-pongue de olhares conscientes.