"Sabe o que é? Nunca procurei respostas. As perguntas, elas sim, me incomodam: ressoam, reverberam, ricocheteiam. É tipo um masoquismo da dúvida."

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Caminhos do ouro, descaminhos da Justiça

Resolvi colar esta postagem de minha autoria aqui, já que nunca se sabe o que pode acontecer com um blog que não é seu.

Cada anno vem nas frotas quantidades de Portuguezes & de Estrangeiros, para passarem às Minas. Das Cidades, Villas, Reconcavos & Certoens do Brasil vão Brancos, Pardos, & Pretos, & muitos Indios de que os Paulistas se servem. A mistura he de toda a condição de Pessoas: Homens, & Mulheres: Moços, & Velhos: Pobres, & Ricos: Nobres & Plebeos: Seculares, & Clérigos: & Religiozos de diversos Institutos, muitos dos quaes nao tem no Brasil Convento, nem Casa.
Sobre esta Gente quanto ao temporal não houve atè o presente coacção, ou governo algum bem ordenado: & apenas se guardão algumas Leys, que pertencem às Datas, & Repartiçoens dos Ribeiros. No mais não há Ministros, nem Justiça que tratem, ou possão tratar dos castigos dos Crimes que nao sao poucos, principalmente dos homicidos & furtos."
IN: ANTONIL, André João. Cultura e opulencia do Brasil por suas Drogas e Minas ...Lisboa: Na Officina Real Dislandianesa, 1711, pp. 136-137.

A situação apresentada por Antonil é a que precedeu a separação da Capitania de Minas Gerais da de São Paulo, fato ocorrido em 1720. O interesse metropolitano somente se justificou no momento em que as Datas auríferas haviam sido devidamente estabelecidas, e as revoltas pela posse das minas, quais sejam, a Guerra dos Emboabas e a Revolta de Felipe dos Santos, efetivamente deflagradas e contidas.
Um novo pedaço da América Portuguesa se estabelecia com a ocupação de um imenso território adentro, com promessas enormes e desafios ainda maiores à dinastia de Bragança, que se via pressionada pela política de alinhamentos europeia (a Casa de Bourbon conquistando espaço junto à Espanha, intimamente ligada à França enquanto Portugal, diante da perda de territórios como de Sacramento e da anuência com as ocupações espanholas na Amazônia, articulou - ou selou- seu enredamento com a Inglaterra). O fluxo de imigrantes, esperançados pela promessa de riquezas, empurrava ainda mais a Coroa a agir na Colônia com braços fortes, até então não vistos cá nos trópicos, estruturando uma administração que não somente fosse capaz de fiscalizar, impedindo o contrabando, mas sobretudo de punir, evitando sedições e garantindo a "justiça", a "ordem", "a paz".
Esgoelavam-se os prometidos do ouro, revigorava-se mais um dos muitos capítulos da história da escravidão, num inagurado ciclo econômico, reproduzia-se um (ainda que relativamente tímido) ritmo de vida inédito, o urbano, estruturavam-se sociabilidades completamente novas. Eram os muitos homens de toda procedência, em busca de afirmarem sua existência na lógica da dádiva e da conquista.
A quem prestava o Direito, a quem era feita a Justiça, senão aos que nesta terra tudo queriam, tudo sonhavam e nada temiam? Para quem serviam as Leis? Tudo novo, nada novo...Estável lógica, essa da história da riqueza humana.

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