"Sabe o que é? Nunca procurei respostas. As perguntas, elas sim, me incomodam: ressoam, reverberam, ricocheteiam. É tipo um masoquismo da dúvida."

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Actus regit tempum

Vivemos uma época de inversoes. Nao me tomem por conservador, nao é nada disso. "Inverter "deixou os lábios de velhos monarquistas, ufanistas, machistas ou bajuladores da moral, da ditadura e dos bons costumes, para estar aqui, nestas linhas. Verter tem toda uma fluidez, e inverter, por consequencia. Já dizia o Bauman, a modernidade é líquida, tudo é volátil, da família ao carro, do amor ao ódio. Este período que relato, nao sei quanto tem de semelhante às épocas que se foram. Claro, algum entendido, experiente, dirá que certas coisas existem desde que o mundo é mundo, e se o entendido for conservador como o velho ufanista das primeiras linhas, dirá que nada há que possa fazer para mudar tal condicao. Mentira! Se há um aspecto que posso gabar é essa condicao de humano. Que olhou para isso de natureza, essa montoeira de recursos, e comecou a inventar necessidades, e também problemas, estes últimos que resultavam de necessidades/desejos nao atendidos. A relacao economicista de escassez de recursos é real, e de resto, as necessidades que se objetivam para além da materialidade, acabam sendo em muito resultado da organizacao desses recursos, sua distribuicao, producao e circulacao. "Amor", por exemplo, para além de sentimentozinho ambientado, circunstanciado, musicado, jantarzinhado, hormonizado, viagenzado, é pouco, mas é muito. Gabar da condicao humana é sensato porque, diante desses desafios, pode propor inversoes. Amor nao é um só, mas sao vários, família passa a ter muitas facetas, conhecimento torna-se um pedaco sem chao na velocidade de máquinas, redes e informacoes.

Nao sei ao certo porque cheguei neste ponto. Minha intencao, ao iniciar este pequeno texto, era de falar como que cifras tao altas (e ao mesmo tempo tao instáveis, diante de extermínios fatalistas e inchacos de problemas) podem banalizar tanto a acao humana. A frase, título do texto é uma inversao. Uma daquelas latinices que aprendi no curso de Direito. "Tempus regit actum", diziam já os antigos, para que a lei nao retroagisse e punisse ilícitos que, à época que foram cometidos, nao o eram. A inversao é proposital, como qualquer inversao. A forca dos homens está nisso, a capacidade de inverter (ou subverter) condicoes. Inverti a frase (trocando o sujeito pelo objeto, e espero, com a devida declinacao que aprendi nas aulas de latim que tive) porque quis, e também porque é o que observo: seres invertidos por sua própria acao.

Os atos passaram a reger o tempo. Tempo, isso sempre me incomodou, um conceito puro, decisivo sobre a relacao que temos uns com os outros: isto é passado, isto é ruim, isto já era, isto eu espero, isto nós confiamos que será assim, isto é agora, istó já nao é de hoje... Uma série infinita de necessidades colocadas em relacao com o tal tempo. Pois bem, que tempo é esse, conceito puro, apriorístico, que cada dia se vê mais e mais liquefeito? As pessoas nao o tem. Nao há tempo para os homens, se a acao deles é uma só: a de se mover agindo na esteira produtiva, a de fazer para poder ter, para ter, para que mais facam, e mais possam querer e ter...O tempo se torna, afinal, uma grande engrenagem de acoes, que se medem, se organizam, e infelizmente, nada ou quase nada transformam. Claro que transformam o espaco numa cadeia de utilizacao de recursos e invencoes mirabolantes para que novos recursos sejam utilizados...Mas essa transformacao, por si só, é frágil, se sustenta numa esperanca de equilíbrio, que jamais virá (nao há recursos suficientes para o grandioso desejo de autodeterminacao por bens), o que provoca iniquidades, desigualdades sem fim, divisoes e ódios irascíveis mesmo nas mais pacíficas sociedades. A transformacao fica fragilizada pelo que oferece: nao é possível garantir que os detentores de recursos eternamente comprem, produzam e mais queiram, e que setores desses recursos possam ganhar com especulacoes infinitamente...Nao há espaco para isso, nem tempo. O homem rasgado pelo seu tempo médio, ao mesmo tempo excessivo na terra, é jogado à margem de sua condicao pelo conceito de "utilidade". O trabalho que é útil, afinal, para a vida sem tempo, é aquele que o mantém sem tempo, na ordem da esteira, maquinizado, na vida sem tempo. Quando há tempo para alguns, nao se é mais útil.

2 comentários:

  1. Gostei muito do post, tentei escrever um monte de coisa a partir (a partir é tempo desde e quando depois...???!!!) de tê-lo lido, porém, há, porém é falta de tempos ou excessos sufocados aqui...!!???¨¨ Pôxa, seria bom ter conseguido, hehehe.

    Muito legal o blog!

    ;)

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