"Sabe o que é? Nunca procurei respostas. As perguntas, elas sim, me incomodam: ressoam, reverberam, ricocheteiam. É tipo um masoquismo da dúvida."

sábado, 29 de maio de 2010

Entomologia

Sua face era rija. Seus óculos, circularmente convexos e de armação crua. Daqueles tempos em que pentes e tartarugas se associavam nas nefandas invencionices da moda, unitilmente relegada ao perecimento da matéria no tempo. Carcomera sua pele, marcada por rugas fugidias ao redor dos olhos e da boca. Aquela boca, cinza, de lábios miúdos e sem propósito, articulava palavras com precisão quase germânica. Ressibilavam, soltas, até a sobrancelha. Nada mais. Ficavam presas naquele ser limitado por sua própria condição. E perdiam-se na austera sombra acima dos olhos. Quando muito, escapuliam, descendo ao tailleur marrom surrado e metido junto a uma saia bege. Bege! Por que alguém lança mão de um tom que o faz destoar? Evanescera. Apagara-se. Tudo naquele ser tributava mofo. Naftalina. Passado. Irrelevância. Negação. Obsolecência.

Um meio-tempo, daqueles em que se deposita a crença de exercício de uma atividade, crescimento, busca, esmero! Quá, quá, quá. Qual nada! Meio-tempo é coisa para os tolos da repartição pública, cafezinho, destravamento social. A figura dos óculos convexos carregava sua corpulência sem qualquer presença. Enganava-se, hiperbólica, na exigência de relatórios e conclusões, produções e técnicas, gestos milhões, braços, pernadas, apontamentos. Os olhos enormizados pela convexidade não poderiam devorar nada mais que sua própria parvidez. Es-drú-xu-la. Feito uma mariposa. 

Não havia percebido, pobrezinha. Não se tratava de casulo. Não melhoraria. Não sairia desse invólucro. Estava diante de uma armadilha. Uma rede. Aracnídea.   

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