"Sabe o que é? Nunca procurei respostas. As perguntas, elas sim, me incomodam: ressoam, reverberam, ricocheteiam. É tipo um masoquismo da dúvida."

terça-feira, 6 de julho de 2010

Comunitarismo fraquejado

Este momento em que escrevo é pernicioso. Produz inversões sem fim. Estabelece não eixos, mas rupturas em quaisquer possibilidades de alinhamentos: estamos diante de uma bobajada chamada comunitarismo - isso mesmo, uma espécie de desfibrilamento cardíaco do curso tradicional que o capitalismo de matriz liberal produziu.

O indivíduo cercado em sua individualidade, seu potencial para o consumo e para as atividades que marquem sua "importância singular" : lógica de identidade construída por uma subjetização da objetividade, degringola a cada passo da civilização pós-industrial. 

Subjetivização da objetividade é, nesses termos, o resultado esperado da complexa teia social: alguém é o que objetivamente pode ser. Num materialismo que dispensa qualquer referência a autores, o que se observa é que os dados da existência humana são aqueles que objetivamente compõem o traço da especificidade, da singularidade, da composição desse "eu", tão abstrato, de cada um: com quem sai, que lugares freqüenta, onde trabalha, qual é sua formação, que faz durante seu dia-a-dia, quantos reais possui em sua conta bancária, que música ouve, que comida come, que livros lê, que filmes assiste.

Tudo isso se estabelece por condições materiais, certo. Mas esse mesmo indivíduo, que depositava confiança em sua inextricável liberdade, perde toda sua orientação na aniquilação diária que a mesma sociedade de massas inventou: convivem sofrimentos, fomes, pestilências, insalubridades, catástrofes em territórios esfrangalhados pelo colonialismo, pelo neocolonialismo, pela permanência atroz de estruturas de subordinação e misérias sem fim.

Resolver tais problemas não parece solução, tampouco prioridade. A lógica maior é a de respeito alimentado como um gordo novilho cevado, a toda e qualquer diferença, sem, no entanto, que ela nos chegue a incomodar. Estou falando de um discurso perverso, como esses de alguns países europeus, que querem ter no Brasil exemplo de tolerância à diferença, que acreditam que coabitar uma cidade com milhares de barracões e algumas torres de luxo é exemplo de cultura comunitária, de paz e boa convivência. Cultura que esbofeteia todos os dias nossas caras, com uma violência explícita e ácida.

Se há que se falar em comunidade, comum + unidade, ela tem que existir nas condições mais simples, imediatas, materiais, que contribuam não à formação da subjetividade, da individualidade (e de indivíduos que se acham integrados de alguma forma que ninguém sabe qual é), mas acima de tudo, de sua composição social, de sua efetiva integração a um corpo assim chamado de comunidade.




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