Nao preciso ir longe, a nenhuma metrópole de filme de gângsters, nem mesmo ao Rio de Janeiro do frissom midiático. Violência bate na cara, pode ter sido só um arranhao, leve tapa. A dor pode ser graduada. Objetivamente, fui espectador. Poderia ser vítima.
Cena 01. Chegamos eu e mais três amigos num bar, ali na Serra. Um deles diz à motorista do carro se nao preferiria pará-lo mais à frente. Achara o lugar estacionado muito escuro. Eu, ingênuo, disse, bobagem, estamos próximos do bar e do movimento. Nao há perigo.
Pois havia. Saímos eu e a motorista, mais cedo, e indo pegar os pertences dos colegas. Passamos por um carro cujo vidro lateral estava com um senhor rombo. Um buraco grotesco, certo frio e silêncio incomodante. Sucederam-se gritos, coisa como gente, ali, pega ladrao, pega ladrao, repetidas vezes, cada vez em tom mais alto. Luzes vermelhas tremulavam, irradiadas entre folhas de trepadeiras de muro. Vi um homem pisando em outro, na íngreme calcada de concreto da ladeira. E ouvi gritos contínuos. Arrancamos o carro. Gelo interior. Abracamo-nos.
Cena 02. Sábado, oito da noite. Ia ao concerto de piano da graduacao de um amigo. Coincidentemente encontrei uma amiga no ônibus, 2004, que também ia ao concerto. Conversávamos sobre trivialidades quaisqueres, receitas da TV ônibus, racismo e apartheid, colonizacao holandesa na África do Sul. Entrou uma voz esganicada, confusa, a berralhar coisas ininteligíveis no ônibus. Pensamos em louco, drogado, algo mais corriqueiro. Nao era. Avancou a catraca, e pos à mostra sua arma de fogo na cintura. Havia um segundo, a auxiliar a coleta dos pertences. Exigiu celular e dinheiro. Eu, apenas com meu pobre celular Nokia q comprei em 2007, com o dinheiro da primeira bolsa de pesquisa que obtive. Nem tirei do bolso, nao tinha prestado atencao na exigência do celular. E doze reais. Os homens ignoraram tamanha pobreza, arrancaram os 50 reais da mao de minha amiga. Um pai em desespero agrrou sua filha. Desceu do ônibus. Havia desobedecido a ordem dos assaltantes. Desceram e permaneceram apontando a arma aos dois acuados. O ônibus seguiu. Muita raiva, irascíveis alguns passageiros, outros chocados. Ouvi um: "a gente trabalha sábado até essa hora pra merecer isso?" Murros na parede do ônibus. Choros e solucos. Pedia que parasse. Dois pontos depois parou. Gritaram à viatura, estacionada diante do Colégio Militar, para que pegasse os homens. Foram. Vacilantes.
Descemos do ônibus. Muitos foram prestar a ocorrência. Disse a minha amiga que recuperar aquele dinheiro seria quase impossível. Quantos ônibus passam pela Antônio Carlos por minuto? Pegamos um até o final de nosso destino, a UFMG. Os autores do crime, provavelmente, outro, com outro destino, para bem longe dali.
Me senti completamente espectador, atordoado, sem queda de qualquer ficha.
Prefiro nao acreditar em converseiro fiado. Violência está aí, para qualquer um que a presencie. Ou infelizmente a sofra. Seguranca pública, nem tanto. Saber que se está seguro no meio social é muito mais difícil que saber que nao se está. As possibilidades sao inúmeras, os fatores, complexos, os agentes, diversos.