Havia um plástico. Olhar para fora era uma atividade cansativa, porque perdida. Frustrante. Pessoas passavam num ritmo absolutamente sacana. Sacanagem mesmo, entende? Com suas sacanices diárias, ocupadas entre um café ruim da padaria da esquina, um cigarro fedido comprado com o troco do supermercado, um converseiro fiado sobre o último jogo tedioso da copa do Brasil, esbravejações que não davam conta sequer dos porquês de terem mudado a placa da rua de lugar, e se aventuravam em analisar a situação geral do país, da corrupção, da sordidez humana.
Toda essa sacanagem era viva, eloquente, pulsante. Misturava-se com o suor ensebado do catador de papel que empurrava a carroça, com o perfume barato deixado pelas putas que na noite anterior na esquina abaixavam vidros e neles se apoiavam, com quadris erguidos e cadenciados com joelhos dançantes. Misturava-se com o cheiro do cigarro fedido e do café ruim, do cocô da Sophia largado pela madame decadente como aquele centro imundo. A sacanagem tinha o cheiro do couro da pasta nova do Armando, promovido a gerente. Era gerente! Sua nova fantasia era gerenciar papeis, planilhas, o espaço insólito dos números. Gerenciava a fortuna alheia, enquanto a úlcera o comia e o tempo também. Comia mesmo, por dentro e por detrás, na mais sacana sacanagem.
E havia uma série de motivos para que essa sacanagem fosse vista através de um plástico. Uma bolha de distanciamento, translúcida. A sacanagem passava com a luz por essa bolha, chegava a seus olhos compreensivos. Mas não se sentia parte da sacanagem. Esse voyeurismo, que perdia em vários quesitos para a pornografia mais imunda disponível nos circuitos, não tinha razão de ser. Apenas era, e crescia como um sentimento de impáfia: eu não sou sacana. "Sou puro, perfeito, limpo, uma candura de ser", pensava.
Enquanto os sacanas viviam suas vidas repletas de sacanagem vistas daquela sacada, seu saco de pensamentos se enchia. Eram sacanas que, como rolhas, foram sacados de suas garrafas interiores, de espumantes, e jorravam algo espirituoso, excessivo, borbulhante. Via a efusão, enquanto permanecia lá, rolha, entupindo sua vida.